A Espada e a Pluma: um poema
alegórico na era das trevas
A espada é muito
mais poderosa do que a pluma,
infinitas vezes
mais poderosa, e de forma mais contundente.
A espada pode
cortar quantas plumas quiser, à vontade;
a pluma não
consegue vencer uma só espada, ainda que multiplicada em mil.
A espada corta,
fere, penetra, rasga, decepa e esquarteja
a pluma não tem qualquer
poder contundente nas coisas da matéria.
A espada impõe
respeito, intimida, aterroriza e submete;
uma pluma mal
consegue provocar cócegas nas pessoas.
A espada tem o
poder de comandar vontades, mesmo contra a vontade;
a pluma, no
máximo, só consegue influenciar as mentes, nunca os músculos.
A espada desperta
a adrenalina, faz o coração bater forte, o sangue subir à cabeça;
a pluma, se tanto,
conquista alguma consciência mais aberta aos conhecimentos.
A espada sempre
vence, pelo argumento da força,
a pluma nem
consegue se impor pela força do argumento.
A espada sempre
tem razão, mesmo quando nenhuma razão tem,
a pluma pode até
tê-la de sobra, mas a razão do mais forte é sempre a melhor.
A espada dobra os
seres, pela sua presença cortante, definitiva;
a pluma busca
converter consciências, mesmo ausente ou distante.
A espada não pede
licença a ninguém: ela se instala, sem pedir permissão;
a pluma sempre tem
de negociar alguma licença para se exercer.
A espada compra
mercenários, torna os homens seus escravos;
a pluma é libertária,
e quer sempre livrar as pessoas da opressão.
A espada manipula
súditos, envia espiões, aprisiona os cortesãos;
a pluma pretende,
apenas e tão somente, formar livres cidadãos.
Todos os impérios
foram construídos na base da espada, do ferro e do fogo;
nenhum império
ruiu apenas pela força da pluma, mesmo coalizada a outras plumas.
A soberania começa
onde existe o monopólio da força por algum dono de espadas;
a pluma é
anarquista, não quer deuses ou senhores; só promete autonomia.
A espada é o
último argumento de defesa, e a última instância da liberdade;
mas ela também
serve para dominar, mesmo o cidadão sem qualquer pluma.
A pluma pode
gritar, mas o tilintar da espada fala mais alto, bem mais alto;
aliás, a espada
não precisa dizer nada: o simples desembainhar já é um discurso.
A espada invade
casas, destrói culturas, mata animais e outros homens;
a pluma não
consegue mover um grão de centeio, não traz água, nem abrigo.
A espada impõe a
ordem, lá onde reinava a mais perfeita desordem;
a pluma contribui para a desordem, ao pretender
desobedecer à espada.
A espada serve
para resguardar viúvas e órfãos, os fracos e os indefesos,
mas também desperta
ambições e cobiças desmedidas, sempre crescentes.
A pluma pode falar
em prol dos de menor poder, dos desvalidos e dos ingênuos,
mas ela não impede
a corrupção dos costumes e o roubo da riqueza alheia.
A espada alicia
servidores, áulicos e até mesmo conselheiros emplumados,
mas ela não
consegue dominar o que lhes vai nas mentes e sentimentos.
A pluma agita os
corações, desperta vontades, cria novas aspirações,
mas ela não dá aos
que a seguem qualquer alavanca ou motor de arranque.
A espada sempre
predomina, mesmo quando o fio se desgasta e a visão fica míope;
a pluma sozinha
não faz nada: precisa de um tinteiro e de um papel, ou pergaminho.
A espada é o
prolongamento natural de mãos fortes, másculas, decididas;
a pluma hesita ao
simples tracejar das letras, e só funciona com mentes atiladas.
E no entanto, e no
entanto...
a espada
enferruja, fica cega, e pode quebrar, num simples embate mais feroz.
A pluma é móvel,
flutua com o vento, mesmo nas mais fortes tempestades,
Ela é mais durável
que a espada, pois as palavras voam, e as ideias se transmitem...
Uma espada fere
gravemente, mas uma ideia mergulha mais fundo.
A espada
geralmente está nas mãos de mercenários e de esbirros a soldo,
as ideias só podem
sobreviver e se disseminar na mais completa liberdade.
Espadas agridem a
esmo; ideias possuem lógica, sentido, direção e propósitos.
Por mais fortes que
sejam os braços, as pernas, por mais couraças e capacetes,
por mais afiadas
que sejam as espadas, elas só podem alcançar um de cada vez.
Ideias, ao
contrário, atingem todos e cada um, num raio de 360 graus,
elas perfuram os
elmos mais duros, atravessam cotas do aço mais temperado.
Espadas
enferrujam, guerreiros morrem ou ficam estropiados, desaparecem...
Ideias, se são
boas, permanecem, por séculos e até milhares de anos, sempre jovens.
As ideias,
finalmente, são mais fortes que as espadas, elas vencem as espadas.
Espadas deixam
apenas destruição e morte; as plumas semeiam conhecimento.
Espadas, no fundo,
têm inveja das plumas, queriam ser livres como as plumas,
não viver em
coldres cheirando a sangue e a mofo, asfixiadas em couro velho.
As plumas são
ágeis, leves, flexíveis; mudam de acordo com as circunstâncias;
plumas expressam o
que de melhor a humanidade produziu, em todos os tempos.
Espadas têm ódio
das plumas, pois nunca poderão ser o que estas são:
instrumentos de
beleza, de saber e de conhecimento, de paixão e de ciência.
Espadas são
instrumentos profundamente complexados, e com razão:
Elas estão do lado
da morte e do sofrimento; as plumas são o eterno renascer...