sexta-feira, fevereiro 02, 2007

04) Reflexoes sobre o exilio...


Stranded

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.com; www.pralmeida.org)

Intelectuais dissidentes, opositores de um regime ditatorial qualquer, perseguidos de opinião e outros desviantes políticos do momento costumam refugiar-se em algum lugar seguro, seja para continuar sua obra costumeira, seja simplesmente para garantir sua segurança pessoal, em circunstâncias difíceis de suas vidas. A imagem da ilha deserta vem logo à mente como o local literariamente plausível para um exílio (auto-)imposto.
Victo Hugo, por exemplo, opositor declarado ao golpe do segundo Bonaparte, o 18 Brumário de Louis Napoléon, na caracterização de Marx, escolheu refugiar-se numa das ilhas de Jersey, no Mar do Norte, perto da Normandia, mas sob jurisdição britânica, e por lá ficou por cerca de 20 anos, só voltando à França com a queda do usurpador da segunda República. Já o capitão Dreyfus não teve escolha: foi recolhido na ignomínia à ilha do Diabo, até ver o seu caso revisto, sob pressão de outros intelectuais opositores, e ser reabilitado. Comeu o pão que o diabo amassou, como se diz, na companhia de baratas e outras pestes.
Não tenho as mesmas preocupações, nem enfrento os mesmos perigos. Meu exílio é diferente: ele independe de lugares ou de situações: ele é basicamente interior e é constituído, finalmente, pelos mesmos elementos que sempre integraram minha vida de leitor e de escritor, ou seja, livros, papel e pluma, atualmente substituídos pelo computador, obviamente.
Talvez seja uma nova forma de ilha deserta, ainda que povoada de livros. Mas eu me sinto conectado ao meio ambiente e acompanho a realidade política e econômica, não apenas nacional. Não me sinto expulso ou cercado por forças hostis e, a bem da verdade, nunca fui tão livre como agora. Outros preferem caracterizar esses exílios virtuais não como uma estada forçada em alguma ilha deserta, mas como uma travessia do deserto, como diria o General De Gaulle. Sem pretender me equiparar a tão ilustre personagem, creio que também estou enfrentando a minha travessia do deserto, aliás, desde algum tempo já.
Circunstâncias desse tipo fortalecem o espírito e incitam à revisão de nossas atitudes, ao confrontar-nos com atitudes e comportamentos que poderiam ter sido outros, e que poderiam ter levado a outros resultados. Somos sempre responsáveis pelas nossas escolhas, e uma boa dose de autocrítica é sempre bem-vinda. Minha ilha sou eu mesmo e meu computador. Assim será...

Brasília, 2 de fevereiro de 2007

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