sábado, abril 16, 2011

Minitratados: um exercício lúdico-reflexivo...

Creio já ter referido aqui minha série de minitratados, uma série de pequenos textos curtos, aleatórios na temática e no tempo, sobre aquilo que alguns filósofos poderiam chamar de "grandes questões da humanidade".
Trata-se claramente de um divertissement, mas que não deixa de ter um significado -- aliás vários -- que é complementar ao, ou diverso do, objeto efetivamente tratado em cada um desses minitratados (aleatórios mas cuidadosamente escolhidos).
Ou alguém acha que reticências, ou entrelinhas, constituem grande problemas filosóficos da humanidade?
É uma maneira divertida, para os que apreciam ironias e sutilezas, para falar dos sentimentos humanos, meus ou dos outros.

Listo abaixo a relação dos minitratados produzidos so far, aqui sem transcrição completa, mas remetendo aos links para sua leitura integral.
Não tenho certeza de que coloquei todos os minitratados; pode ser que eu tenha esquecido algum no caos de meus arquivos eletrônicos. Tenho de pesquisar: esses minitratados são espertos, fugidios, eles se escondem nas mais surpreendentes reentrâncias do pensamento...
Tenho vários outros planejados no pipeline, e aceito sugestões dos leitores para novos minitratados, mas apenas sobre os mais graves problemas da humanidade, como alertei anteriormente.
Mas de maneira divertida, como também coloquei, o que não deixa de ser relevante, mesmo se constitui uma simples distração na leitura de coisas verdadeiramente sérias...
Paulo Roberto de Almeida

Série dos minitratados (até aqui...)

1) Minitratado das reticências
Pouca gente dotada de uma certa familiaridade com a palavra escrita consegue atribuir real importância às reticências, inclusive este cidadão que aqui escreve. Quero falar das reticências stricto sensu, isto é, os famosos três pontinhos ao final de alguma frase ou expressão... (...)
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2) Minitratado das interrogações
Interrogantes são inerentes à espécie humana, e talvez mesmo a certos primatas. Determinadas escolhas, ou caminhos, nos levam a uma situação de melhor conforto material ou de maior segurança pessoal, sem que, no entanto, saibamos, ou tenhamos certeza, ao início, que aquela opção selecionada é, de fato, a de melhor retorno ou benefício possível. Dúvidas, questionamentos, angústias, em face das possibilidades abertas em nossa existência, são inevitáveis em todas as etapas e circunstâncias da vida. Daí a interrogação, normalmente simbolizada pelo sinal sinuoso que colocamos ao final de certas frases: ? (...)
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3) Minitratado das entrelinhas
Tratados, em geral, costumam ser solenes, como convém aos grandes textos declaratórios, escritos em tom impessoal e devendo refletir alguma realidade objetiva, uma relação entre Estados...
Minitratados, por suposição, deveriam ser versões reduzidas de seus irmãos maiores... (...)
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4) Minitratado da imaginação
A imaginação não é um simples sentido natural, e sim um ato da vontade, embora não possamos impedir nossa própria consciência de imaginar “coisas”. Mas essas coisas imaginadas são instruídas, orientadas, criadas e administradas por nós, como se fossemos um diretor de cinema ou de teatro, quando eles dizem aos atores como o script deve ser realmente lido e interpretado. (...)
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5) Minitratado da reencarnação
Não, não quero falar da reencarnação "real", aquela na qual acreditam piamente hindus e tibetanos, pelo menos os religiosos, nisso seguindo, ao que parece, os antigos egípcios, que já não estão mais entre nós para contar como a sua, supostamente rica, experiência nessa matéria. Os primeiros são radicais, capazes até de interromper a construção de um templo por uma minhoca que apareceu no canteiro de obras; afinal, nunca se sabe: pode ser a mãe de alguém. Enfim, se os egípcios ainda nos assustam com múmias de Hollywood, os outros nunca provaram o que afirmam. (...)
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6) Minitratado das Improbabilidades
Uma improbabilidade é algo que, como o conceito indica, não corre nenhum risco de acontecer; constitui, assim, um não-evento, uma impossibilidade prática. Poucas pessoas, salvo as muito sonhadoras, ficam atrás, ou se colocam em busca, de coisas impossíveis, ou seja, de improbabilidades. Aqueles que o fazem, de verdade, ou sinceramente, costumam ser chamados de utopistas, ou talvez até, dependendo da natureza de seus sonhos, de românticos incuráveis. (...)
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7) Minitratado dos desencontros
O que é um desencontro? Dito simplesmente, é uma defasagem, no tempo ou no espaço, entre dois corpos, cada um seguindo vias próprias e diferenciadas, sem qualquer possibilidade de cruzamento. Para fins deste minitratado, no entanto, o desencontro é um descompasso entre dois sentimentos, um pretendendo resposta e reação, o outro permanecendo desatento ou distraído, o que pressupõe alguma instância de reciprocidade ou linha de cruzamento, mesmo virtual. (...)
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8) Minitratado dos reencontros
O reencontro pode ser considerado a inflexão da curva de dispersão, ou da linha de divergência, que tinha sido formada, ou que existia, por ocasião do desencontro. Com efeito, o reencontro só se justifica, na maior parte dos casos, após um desencontro ter acontecido, salvo se a separação anterior foi uma obra do acaso, uma contingência inesperada, um acidente de percurso ou seja lá qual fator acidental. (...)
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9) Minitratado das corporações de ofício
Um amigo meu me escreve para dizer que está sendo perseguido por uma poderosa corporação de ofício; enviou-me seu protesto por escrito: “Sou Réu” (até me forneceu o número do processo). Bem, não vou poder ajudá-lo como eu (ou ele) gostaria, pois não tenho esse poder; aliás, nem sou advogado, o que por acaso me lembra que eu tampouco pertenço, profissionalmente, a qualquer uma dessas poderosas organizações dedicadas a preservar o seu monopólio profissional (e, adicionalmente, a achacar consumidores, como eu e você). Sou apenas da modesta tribo dos sociólogos, não tão poderosa nem tão bem organizada quanto a dos advogados, a dos engenheiros, a dos arquitetos, a dos médicos, a dos economistas e as de muitas outras corporações dedicadas ao fechamento dos mercados, de forma a converter todos os demais cidadãos em seus obrigados clientes (mais propriamente em servos indefesos).
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Paulo Roberto de Almeida

Minitratado dos reencontros - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado dos reencontros
Paulo Roberto de Almeida

(ver toda a série neste link)

Depois de ter tratado, num dos minitratados (sem jogo de palavras) desta série, dos desencontros, cabe falar também dos reencontros, que podem eventualmente ocorrer, embora eles possam demorar algum tempo para se materializar, por vezes até alguns anos. O reencontro pode ser considerado a inflexão da curva de dispersão, ou da linha de divergência, que tinha sido formada, ou que existia, por ocasião do desencontro. Com efeito, o reencontro só se justifica, na maior parte dos casos, após um desencontro ter acontecido, salvo se a separação anterior foi uma obra do acaso, uma contingência inesperada, um acidente de percurso ou seja lá qual fator acidental. Em qualquer hipótese, um reencontro depende da vontade de pelo menos uma das partes, imponderável como pode ser a realização de uma expectativa, sempre dependente das trapaças da sorte ou da astúcia da razão. Se as duas partes o desejam, então a conjunção se faz mais facilmente ainda, embora essa hipótese seja mais rara.
A razão, a motivação e o esforço para realizar o reencontro estão todos situados numa mesma dimensão fundamental: a carência, real ou percebida, em relação a uma situação de melhor conforto espiritual com uma dada relação. Tem de ser isso, ou então não haveriam motivos para tantas angústias, tantas reflexões ao léu, tantas suposições otimistas, tantos cenários idealizados. Carências podem se manifestar de duas maneiras: uma negativa, que seria uma espécie de estado depressivo, outra mais positiva, que seria a esperança levada ao estado de euforia, caso o reencontro se materialize por acaso ou por intenção. Seria simples assim? Provavelmente não, pois raramente existem soluções extremas para a maior parte dos casos e sim o continuum de situações indefinidas, que angustiam o “paciente”.
Existe uma estratégia para o reencontro, ou estratégias? Eventualmente, a parte interessada no reencontro pode elaborar uma (e segui-la, o que parece mais importante), embora tudo possa ser muito difuso e até isento de planejamento quanto aos lances táticos que levariam, supostamente, ao almejado reencontro, que é, por certo, a convergência de vontades. Na paz como na guerra, na vida civil como na vida militar (se é que se pode falar em vida, neste caso), na autonomia como na dependência, sempre se pode desenhar estratégias para enfrentar os acasos da vida (embora isso não queira dizer que todas elas funcionem adequadamente). Jogos de guerra, ou jogos de amor, nem tudo termina com final feliz para todos, o tempo todo.
Já que este é um minitratado – ou seja, um documento formal de procedimentos, métodos e disposições práticas, quase um manual de serviço – caberia descrever os detalhes da estratégia e discutir seus elementos táticos. Quem sabe a partir daqui não resulte um desses How to do?, desses que vendem nas estantes de autoajuda – ou até um Idiot’s Guide to Making Up Again – que podem ser úteis a almas gêmeas temporariamente separadas ou a corações desesperados? Não tenho certeza de oferecer o manual perfeito para tranquilizar corações desesperados, mas vou tentar acalmar os confusos (sem garantia de sucesso e sem dinheiro devolvido).
A primeira tarefa nesse tipo de empreendimento é definir as chances de que o objetivo se concretize; existem várias possibilidades classificatórias: o reencontro pode ser utópico, realizável, impossível, razoável no médio prazo, imprevisível, mesmo no longo prazo, etc. Pode até conceber um quadro analítico – quem sabe uma tabela Excel? – com cronogramas definidos, cujas células poderiam ser ocupadas por “missões” graduais para a consecução do reencontro, até a etapa final de atingimento do objetivo fixado. Uma estratégia consequente prevê várias táticas alternativas, todas conjugadas ou atuando de forma sucessiva, conforme os efeitos e resultados da aplicação de cada um.
Existem métodos diretos ou indiretos de aproximação, o que for mais conveniente. Hoje em dia, o Google resolve quase todos os pedidos de busca, mesmo os mais inusitados (suponho que até a polícia, em suas missões para os mais “wanted men”, mas podem ser “women” também, use o Google para buscas rápidas). As redes sociais também “atingem” – literalmente – milhões de pessoas, embora nesses casos de busca afetiva um dos lados sempre peca por timidez.
Definida a estratégia e desenvolvidas algumas técnicas, cabe esperar uma implantação decisiva da missão “reencontro”, de preferência com ações bem pensadas para não frustrar o objetivo final. Geralmente a abordagem é gradual, indireta e silenciosa, embora existam os apressadinhos (em parte incautos) que passam a uma tática de assédio pouco recomendável para a maior parte dos casos. Um “levantamento de terreno” preliminar – como no caso do planejamento militar – parece indispensável ao desenvolvimento de uma estratégia bem montada, o que implica em conhecimentos mínimos de cartografia afetiva e de mapeamento sentimental.
A logística também apresenta papel importante, pois é preciso planejar as operações sobre o terreno, com margem suficiente de manobras e recursos disponíveis para manter presença no terreno. Aqui não precisa de soldados, no sentido estrito do termo, mas certamente precisará de talão de cheques, no sentido estrito e no lato, sobretudo neste último. Quanto mais lato melhor, pois essas táticas de sedução costumam ser altamente custosas para o bolso do contribuinte...
Enfim, quaisquer que sejam as táticas e estratégias a serem mobilizadas no esforço de reencontro, é preciso ter algo para “vender”; do contrário fica difícil concretizar a meta da “conquista” (como nos objetivos militares). O objeto, parece claro, é o próprio iniciador do esforço de reencontro, o personagem que se coloca na posição de articulador de novas situações, o proponente de uma nova etapa de vida. Nesse ponto entramos naquilo que os americanos chamam de core of the matter, ou na substância da matéria. Não tenho sugestões a fazer neste particular. Apenas desejar que o pretendente seja o personagem dos sonhos da pessoa visada. Também acontece...

Brasília, 14 de abril de 2011

sábado, abril 02, 2011

Minitratado dos desencontros - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado dos desencontros
Paulo Roberto de Almeida

O que é um desencontro? Dito simplesmente, é uma defasagem, no tempo ou no espaço, entre dois corpos, cada um seguindo vias próprias e diferenciadas, sem qualquer possibilidade de cruzamento. Para fins deste minitratado, no entanto, o desencontro é um descompasso entre dois sentimentos, um pretendendo resposta e reação, o outro permanecendo desatento ou distraído, o que pressupõe alguma instância de reciprocidade ou linha de cruzamento, mesmo virtual.
Na melhor das hipóteses, o desencontro é passageiro, e a correspondência esperada se faz em algum momento, em algum lugar. Na pior, as expectativas de uma parte não logram sensibilizar ou dobrar a vontade da outra parte, e o desencontro se converte em motivo de sofrimento. Todo desencontro, ou toda indiferença é um sofrimento, pelo menos para uma das partes. Todos nós sabemos disso.
Por que existem desencontros? Eu poderia ser economicista e dizer que a reta (sempre crescente) da procura não encontra a “sua” curva da oferta, o que pode ocorrer em face de qualquer falha de mercado ou externalidade negativa. Sendo menos sarcástico, e mecanicista, pode-se dizer que, no terreno dos sentimentos humanos, não existe qualquer equivalência mecânica, como aquela identificada com a “lei de Say”, que pretende que a oferta cria sua própria demanda.
Mas tampouco funciona neste caso a chamada “inversão keynesiana”, que espera que a demanda artificialmente criada pelo poder de emissão de alguma autoridade desperte os “espíritos animais” dos agentes de mercado, que decidem, a partir daí, manter a oferta agregada. Os economistas, assim como os contabilistas, não gostam de desencontros: eles sempre pretendem fechar a equação de equilíbrio, buscando a resposta para déficits ou superávits mesmo por meios artificiais.
No caso das amizades ainda se pode esperar alguma reciprocidade, ou seja, um equilíbrio e correspondência de vontades e prestações mútuas; nas amizades existe, sobretudo, confiança entre as partes. Tudo isso é muito difícil de ser estabelecido no caso de paixões mais “incisivas”, como o amor, que não exige retorno direto; ele pode ser unilateral, unidirecional, não correspondido e assimétrico, como nas relações de dependência ou de assistência entre países avançados e economias miseráveis, que vivem da cooperação ao desenvolvimento (outro nome para a assistência pública).
Como nas relações econômicas, porém, o desencontro é uma expectativa não realizada, por insuficiência de fatores ou de insumos, que atendam aos requisitos dos “consumidores”. Não se trata apenas de uma assimetria de informação, mas de um desequilíbrio sistêmico, que impregna toda a equação de mercado, afetando aquela transação que se esperava realizar. O desencontro, portanto, está muito longe daquela situação que os economistas chamariam de “ótimo paretiano”. Numa figuração de química doméstica, ele seria como a superposição entre a água e o azeite.
Nem todas as culturas, porém, cultivam essa oposição de sentimentos, o confronto de posições, essas cenas dramáticas, típicas de novelas mexicanas. Na tradição oriental, a aparente oposição do yin e do yang acaba conhecendo alguma síntese reconciliadora, assim como na sua gastronomia encontramos o agridoce, que nos enche de prazer, mesmo momentâneo. Mas o desencontro constitui justamente o retorno do azedo sobre o sentimento temporário de doçura e de conforto espiritual.
Existem soluções para os desencontros? Talvez, mas certamente não “a” solução, a fórmula mágica que permitiria eliminar toda frustração e todo sentimento de impotência em face da indiferença alheia. Algumas situações podem ser apenas contornadas, pelo uso dos “estímulos corretos”, geralmente de natureza material. Muitos “compram” o amor, é verdade, ou atuam para criar uma relação de dependência, o que teoricamente pode fazer com que retas paralelas se encontrem em algum ponto do espaço. Mas esse tipo de “equilíbrio” é muito frágil, já que espíritos independentes não suportam a subordinação de sua vontade, justamente.
Qual seria, então, um possível remédio a um desencontro específico? Sem nenhuma garantia de sucesso, como em qualquer empreendimento humano, fazer-se admirar, provocar o reconhecimento da outra parte pelas ações beneméritas, generosas e “desprendidas” que se decide oferecer unilateralmente. Em uma palavra: ser bom, o que implica ser atencioso, prestativo, sempre pronto a confortar a outra parte, aquela com a qual se busca o encontro, justamente. Sinceridade é fundamental, mas confessar a ação calculada poderia parecer oportunismo, interesse egoísta, até maquiavelismo, no sentido vulgar deste conceito.
Sempre se espera que o desencontro seja passageiro, mas o descompasso pode, na verdade, durar anos, ou décadas. Paciência e constância nos sentimentos constituem, neste caso, duas virtudes fundamentais. Feliz final do seu desencontro...

Curitiba-Brasília, 2 de abril de 2011