quinta-feira, julho 02, 2009

19) Mais um questionario sobre a carreira diplomatica

Incrível: acho que respondo um questionário por mês. Respondo e depois esqueço. Como suponho que talvez interesse a mais estudantes (não tanto pelos aspectos pessoais, e sim pelas informações sobre a carreira), permito-me reproduzir aqui também.

Questionário sobre a carreira diplomática
Paulo Roberto de Almeida

1) Nome:
Paulo Roberto de Almeida

2) Situação familiar:
Casado, 2 filhos (28, homem, e 19 anos, mulher).

3) Contato:
Ministério das Relações Exteriores

4) Fez planejamento de Carreira?
Não.

5) Teve alguma referência profissional?
Jamais; sem qualquer contato preliminar com a carreira diplomática.

6) Área:
Diplomacia, carreira de Estado, serviço exterior brasileiro.

7) Cargo:
Ministro de Segunda Classe

8) Descrição da Função:
Chefia de departamento, ministro conselheiro em embaixadas do Brasil no exterior, chefia de consulado geral, diversos outros cargos na burocracia do ministério ou, eventualmente, em outras agências públicas federais.

9) Foi motivado por alguma causa/visão/missão etc?
Não especialmente: a carreira surgiu como opção a partir de informação sobre concurso público para ingresso na diplomacia, a partir de minha experiência “internacional” previamente adquirida como estudante no exterior.

10) Objetivos atuais de vida:
Continuar na carreira, por mais algum tempo, até a aposentadoria compulsória, servindo ao Brasil, e ao mesmo tempo me dedicando a atividades acadêmicas paralelas.

11) Formação:
Licenciado e doutor em Ciências Sociais, mestre em planejamento econômico, com especialização em economia internacional, todos títulos obtidos em universidades estrangeiras.

12) Competências:
Ciência Política, relações internacionais, história diplomática, temas de desenvolvimento econômico e de economia política internacional.

13) Habilidades:
Ademais das atividades próprias à diplomacia (informação, representação e negociação), competência acadêmica como professor e pesquisador em temas de relações internacionais.

14) Remuneração média de um profissional da área:
Muito variada, tanto dentro da carreira no exercício burocrático em Brasília, como a serviço do Brasil no exterior; em Brasília, há uma escala gradualmente ascendente de remuneração, de terceiro secretário a ministro de primeira classe, que depende ainda do exercício de funções de chefia (cargos de direção e assessoramento superior), complementado por aluguel moderado por utilização de moradia funcional (variável, também, em função da hierarquia); pode ir de R$ 7 mil a 20 mil. No exterior, a remuneração básica (vencimentos) é corrigida por índices de correção variáveis segundo os postos (correção cambial ou por custo de vida), acrescida de algumas gratificações variáveis por posto (na verdade, a única existente é a ajuda para aluguel de moradia, mas se cogita a introdução de auxílio-educação); pode ir de US$ 7 mil a 15 mil.

15) Estágio do desenvolvimento profissional:
O ministro de segunda classe é o penúltimo estágio na carreira, antes do ministro de primeira, usualmente chamado de embaixador (que na verdade é um título por exercício de chefia de posto no exterior).

16) Percurso que seguiu para chegar no cargo:
Concurso de ingresso na carreira (etapa inicial e obrigatória, uma vez que o recrutamento só se faz por concurso público, exclusivamente por mérito), exames intermediários para ascensão funcional (Curso de Aperfeiçoamento, para segundos secretários; Curso de Altos Estudos, para conselheiros, com apresentação de tese e sua defesa em banca). Todo o processo de ascenção funcional é regulado em legislação própria, implicando seleção dos pares e das chefias para ingresso num Quadro de Acesso, seguido de promoção por antiguidade ou merecimento.

17) Se sente realizado profissionalmente?
Certamente: a carreira diplomática oferece inúmeras oportunidades para o enriquecimento profissional e intelectual, oportunidades de vivência no exterior, em diversas situações, e chances aos familiares para experiência de vida no exterior, com grandes benefícios em termos de estudos e aprendizado.

18) O que teria feito de diferente?
Carreira acadêmica, igualmente gratificante no plano intelectual (e da liberdade de pensamento e atuação), mas certamente menos “remuneradora” em termos de atuação na vida profissional, com possibilidades de influência concreta nos destinos do país, mediante participação em negociações internacionais que por vezes são decisivas para a inserção externa do país e a obtenção de ganhos imediatos no plano de vantagens comerciais, tecnológicas e financeiras, advindas da cooperação e interdependência econômica no plano mundial.

19) O que pensa do futuro desse setor e do próprio futuro profissional?
Deve continuar sendo uma das principais agências de afirmação dos interesses nacionais, uma vez que a diplomacia assume papéis crescentes com a aceleração do processo de globalização e do aumento da interdependência internacional em todas as áreas, com destaque para a economia e a administração dos recursos comuns (em meio ambiente, por exemplo). Continuarei servindo ao país como tenho feito nos últimos 30 anos.

20) Descreva um dia habitual de trabalho:
Na Secretaria de Estado (Brasília), processamento de papéis, que tipicamente são telegramas de embaixadas e missões no exterior, com alguma questão de negociação na qual o Brasil encontra-se envolvido; a partir do insumo inicial, o trabalho constitui uma elaboração da demanda no sentido de se dispor de informações adequadas para elaborar alguma instrução negociadora, a partir da memória existente e da consulta a outras agências públicas envolvidas no tratamento daquela matéria (comercial, financeira, de cooperação técnica, segurança etc). No exterior, se assegura a interface entre o Brasil e governos estrangeiros ou organizações internacionais, com os quais se pode negociar diretamente (no plano bilateral) ou conjuntamente (no caso de atuação multilateral); ou seja, além do processamento da informação, há típicas situações negociais, que envolvem o recebimento de instruções precisas da Secretaria de Estado, sem o que o diplomata teria de agir segundo seu conhecimento anterior de assuntos similares e em função de uma percepção própria do interesse nacional.

21) Grau de estresse existente nesta função:
Não superior a outras funções existentes na burocracia governamental, derivado das deficiências, da baixa coordenação funcional e dos entraves burocráticos normalmente existentes no Estado brasileiro; no exterior, o estresse é geralmente derivado das condições de vida existentes em determinados postos ditos de “sacrifício” (ou seja, apresentando carências e insuficiências no plano material, eventualmente acrescido da falta de domínio de certos idiomas).

22) Maiores dificuldades enfrentadas neste trabalho:
Dificuldades em obter informações adequadas ou embasamento técnico suficiente para a formulação (e ulterior execução) de instruções adaptadas a um determinado processo negociador e que expressem adequadamente o interesse nacional, ele mesmo difícil de ser definido, em função de percepções variadas, por vezes conflitantes do que seja esse interesse, em face de elementos contraditórios (sempre presentes).

23) Maiores satisfações alcançadas:
Poder lograr a conquista dos objetivos traçados nas instruções em processos negociadores nos quais se está envolvido, ou seja, conseguir cumprir as metas definidas pela agência pública à qual se serve (neste caso, o Itamaraty e a política exterior do Brasil). No plano pessoal, ser reconhecido como competente pelos pares e pelas chefias e obter promoções e remoções (postos) condizentes com suas aspirações.

24) O que você destaca como um diferencial nesta área?
A preparação intelectual é, de longe, o principal fator de sucesso na carreira diplomática, muito embora o relacionamento humano também seja relevante para o adequado desempenho das funções. A combinação de mérito pessoal e de capacidade a bem se relacionar com colegas nacionais e estrangeiros é essencial para um bom desempenho nas funções diplomáticas.

25) O que ninguém sabe sobre essa carreira?
Existem muitos mitos cercando a carreira diplomática, geralmente ligados à imagem esnobe ou pretensamente sofisticada que teriam os diplomatas. Trata-se de uma carreira burocrática, como muitas outras, mas envolvendo também uma percepção especial do elemento humano (human factor) nas relações impessoais de Estado a Estado.

26) O que você sugere para quem está se inserindo profissionalmente?
Em primeiro lugar, um cuidado com a preparação intelectual, não apenas no ingresso, mas ao longo de toda a carreira diplomática: ou seja, o estudo constante não apenas dos dossiês, mas de todo e qualquer assunto suscetível de constituir um objeto de negociações internacionais (o que, atualmente, envolve quase todos os aspectos da vida nacional). Em segundo lugar, um cuidado especial com as relações humanas e sociais, uma vez que a diplomacia apresenta alto componente de relações inter-pessoais, mais, provavelmente, do que em qualquer outra carreira pública. Em terceiro lugar, alta disposição para a mudança constante – o nomadismo profissional faz parte da carreira – e capacidade de adaptação a ambientes diversos, por vezes difíceis, pessoalmente ou para a família. Em último lugar, mas talvez o mais importante, uma predisposição para o serviço do país, o que envolve uma percepção aguda do que seja o interesse nacional, nem sempre adequadamente refletido em instruções “burocráticas” recebidas no exercício de funções negociadoras (o que introduz o fator pessoal na administração e desempenho de suas funções). Desenvolvi algumas dessas idéias em meu texto “Dez regras modernas de diplomacia” (disponível neste link).

12 comentários:

Unknown disse...

Olá
Acabo de encontrar esse blog e sua página, estao muito interessantes.

Nos últimos meses tem me surgido a curiosidade de conhecer melhor a carreira diplimática e por isso vim bater neste blog (via google).

Na verdade, sou engenheira e já tenho 25 anos, ou seja, nada a ver com o temário e um pouco velhinha, mas moro na Alemanha há 3 anos e cada vez mais tenho me interessado mais por temas em politica e relacoes internacionais.

Estou já adicionando o blog aos favoritos e espero poder ler mais seus textos. De fato, preciso ainda de um bom tempinho para amadurecer essa minha nova idéia e com certeza ainda me restam alguns aninhos aqui na Alemanha e na engenharia, que, nao por acaso, também gosto muito.

Paulo Roberto de Almeida disse...

Alo Rafaelli,
Voce está perfeita para tentar a carreira. Temos um excesso de advogados, bachareis em letras, licenciados em economia, administracao, todas essas coisas pouco precisas e altamente subjetivas. Estamos em falta de engenheiros, com toda a precisao de seus calculos e raciocionio matematico, solidos como concreto, oum uma chapa de aço.
Você nao tem nada a perder, a não ser a sua planilha de cálculos.
Venha que ainda está em tempo, ou melhor, está justo no tempo...

Brasil na Alemanha por um tempinho disse...

Dr. Paulo,
Como vai?
sou farmacêutico (recém-formado) e publicitário (antes de embarcar na área da saúde), e meu interesse pela carreira tem sido de idas e vindas, mas, pior, tem sido também de sempre em momentos de indecisões sobre carreira (como é notável) acabam despertando e se direcionando à diplomacia. tenho 23 anos agora e vou tentar a bolsa do IRBR com o CNPq para ajduar com os estudos, mas duas questões me preocupam. Primeira: sou de Manaus, Amazonas e cursinho para a área não há, então é no "autodidatismo" mesmo! é possível estudar sem essa base sul-sudeste de cursinhos? Segundo: já "saí" da área de humanas e embarquei na da saúde (particularmente porque queria sim ter uma carreira para então ir atrás da diplomacia), será que essa distância de áreas do conhecimento é prejudicial? Será que alguém da´área da saúde tem chance?

Paulo Roberto de Almeida disse...

Brasil na Alemanha (sorry, mas nao sei o seu nome, e voce nao disse),
Nao importa a area de graduacao e de atuacao profissional, todos tem chances e possibilidades de ingressar na carreira, mas obviamente que quem fez estudos na area de maior interface conceitual e disciplinar com as materias dos exames de ingresso tem mais chances, mas nada que nao possa ser vencido pelo estudo e pela dedicacao as leituras exigidas. Apenas tera de fazer maiores esforcos, posto que supostamente ficou todos esses anos sem ler historia, geografia, economia, direito, etc.
O estudo autodidata é o melhor possivel e todos devem ser autodidatas, mas reconheco que os cursinhos preparatorios existentes nas grandes capitais ajudam a focar melhor os pontos e as dicas que se ajustam aos exames.
Estude e voce entrar[a.

PRA

Brasil na Alemanha por um tempinho disse...

Prezado,

Obrigado pela resposta.
meu nome é carlos montefusco, só para constar!

Guilherme disse...

Paulo, muito esclarecedor os seus comentários acerca dessa profissão cujas atribuições parecem tão longínquas ao cidadão comum. Gostaria de perguntar 2 coisas: Acredita ser possível alguém mais introvertido e tímido se dar bem como diplomata? Existem algumas funções que sejam menos burocráticas dentro da diplomacia?

Um abraço

Paulo Roberto de Almeida disse...

Guilherme,
Eu sou a pessoa mais timida que conheço, nao gosto de perder tempo com fofocas e nao perco muito tempo com gente, pois estou sempre com os olhos pregados num livro. Acho que é possivel, sim, ser introvertido e diplomata.
As funcoes menos burocraticas na carreira sao as propriamente diplomaticas: representacao, negociacao, informacao, o que a gente faz o tempo todo.
As mais buorocraticas -- e eu nunca trabalhei nelas para saber como é, pois tenho horror -- sao as de administracao, comunicacoes, cerimonial (mas aqui tem muita pratica), enfim, servicos gerais, o que deve ser aborrecido até a morte. Dá para escapar. Eu pelo menos escapei, e não trabalharia numa dessas coisas nem amarrado...
Paulo Roberto de Almeida

Guilherme disse...

Obrigado pela atenção! Estou amadurecendo a ideia de tentar o concurso pra diplomacia, embora minha familia ache que eu devia fazer direito agora (ja sou formado em comunicação).
Sobre o trabalho:
1- Existem algumas privações sociais para os diplomatas? (ex: sei que os juizes não podem beber em público, na rua. existe algo parecido para os diplomatas?)
2- Nos postos C ou D que necessariamente um diplomata deve passar primeiro ainda assim contam com boa infra-estrutura para exercer a profissão?

Qto a prova:
Esse ano parece que excepcionalmente caíram menos questões de atualidades. Quanto do tempo de estudo vc recomendaria que fosse focado apenas para isso? (claro q sei que isso é mto relativo, mas gostaria apenas de uma orientacao baseada no seu conhecimento e experiencia)

um abraço e novamente obrigado pelo tempo que me foi dado!

Paulo Roberto de Almeida disse...

Diplomatas bebem em privado e em público, com exceção da Arabia Saudita e alguns outros países sem graça.
Também não podemos ficar comentando política externa brasileira em público sem autorização.
Postos C e D são o que são, por vezes se consegue algumas facilidades, mas nem sempre. Pode-se pegar malaria, por exemplo...
Diplomata não vive numa redoma...
E a vida pode ser dura em certos postos...
Paulo Roberto de Almeida

Unknown disse...

Olá! Bom dia!

Gostei muito do blog. Bem esclarecedor. Espero que continue a postar.

Por favor, um esclarecimento: No que se refere à educação dos filhos, como foi no seu caso? eles estudaram em escolas bilíngues francesas, britânicas ou americanas? Em caso positivo, qual você recomendaria?

Tudo de bom e sucesso para você....

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Daniel Claudino,
Crianças são mais inteligentes, preparadas e flexíveis do que se pensa. São os pais que costumam ser complicados e ficam colocando minhocas imaginárias nas cabeças dos filhos.
Esqueça isso. Elas se adaptam a qualquer escola, nacional ou internacional e isso depende de cada país.
Meus filhos fizeram todos os tipos de escola e mudaram muito de sistemas, de línguas, de situações, sem nenhum problema.
Meu filho fala sete línguas, por ter estudado em várias sucessivamente.
Esqueça isso, pois o problema não é das crianças, é seu, se vc criar um, mas não creio que deva...
Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida disse...

Meu caro Daniel Claudino,
Crianças são mais inteligentes, preparadas e flexíveis do que se pensa. São os pais que costumam ser complicados e ficam colocando minhocas imaginárias nas cabeças dos filhos.
Esqueça isso. Elas se adaptam a qualquer escola, nacional ou internacional e isso depende de cada país.
Meus filhos fizeram todos os tipos de escola e mudaram muito de sistemas, de línguas, de situações, sem nenhum problema.
Meu filho fala sete línguas, por ter estudado em várias sucessivamente.
Esqueça isso, pois o problema não é das crianças, é seu, se vc criar um, mas não creio que deva...
Paulo Roberto de Almeida