O Yin e o Yang dos sentimentos
Paulo Roberto de Almeida
(Em vôo: Miami-Manaus-Brasília, 2 de maio de 2009)
De volta de meu programa de Visiting Scholar na Universidade do Illinois, vim lendo, no avião, um livro que tinha comprado no Rubin Museum of Art, de New York: The Geography of Thought, do psicólogo Richard Nisbett. Ele trata das diferenças de estilos, ou formas, de pensamento entre o Ocidente e o Oriente, com maior ênfase, de um lado, no raciocínio abstrato de origem grega e, de outro, na maneira de pensar dos asiáticos, mais especificamente os chineses.
Sem que eu queira resumir agora o livro – tanto porque ainda não o terminei – ou dele retirar qualquer ensinamento precipitado, atraíram-me os conceitos de yin e yang, vindo daí a idéia de pensar as duas forças fundamentais que considero mover os seres humanos, o amor e a amizade, em termos da oposição e complementaridade entre esses dois elementos da forma chinesa de pensar o mundo, tanto a natureza como as relações entre as pessoas.
O amor e a amizade são dois sentimentos permanentes e poderosos, que permeiam toda a nossa existência. Eles não são exatamente racionais, sequer racionalizáveis, mas constituem uma química imprecisa, por vezes traiçoeira. Em suas dimensões próprias, eles não se opõem, necessariamente, mas mantêm uma relação de dependência e de exclusão que explica muitas das nossas atitudes, decisões, escolhas e aspirações ao longo de toda uma vida. Impossível viver sem amizades, difícil viver sem um amor. Ambos sentimentos existem nos círculos familiares, mas eles são de certa forma abafados pelos vínculos contraditórios da afetividade e da autoridade que permeiam naturalmente toda interação familiar.
Esses dois sentimentos se encontram, em sua mais pura expressão, nas relações livremente consentidas, voluntariamente formadas, conscientemente buscadas, deliberadamente desenvolvidas e entretidas. A amizade é, quiçá, o primeiro sentimento a aflorar, quando encontramos alguém que parece nos complementar; ela se mantém, se for verdadeira, nas alegrias e decepções, nas conquistas e frustrações, pois que solidificada na busca de objetivos comuns, sustentada por ideais mutuamente compartilhados.
O amor é algo mais raro, talvez extremamente raro, só existindo quando o sentimento de amizade atinge sua forma mais refinada, mais profunda, intensamente dirigido para ‘produzir’ o bem e a felicidade da pessoa amada. Ele incorpora, perpassa e reforça a amizade, mas também contém outras forças que se opõem, pelo menos em parte, à amizade e tornam esta difícil: o sentimento de exclusividade, o desejo compreensível de posse, a satisfação diretamente relacional, sem a abertura que a verdadeira amizade promove nas esferas circulares das muitas relações humanas e sociais.
Acredito, em todo caso, que um sentimento não deveria existir sem o outro. Aliás, sempre me perguntei se um e outro eram possíveis simultaneamente, em direção ao mesmo ‘objeto’, ou seja, totalmente compatíveis entre si. Confesso que não sei: não tenho, ainda, uma resposta precisa a esta questão, e talvez ela nunca chegue. Meu desejo sincero é que ambos sejam preservados e promovidos para que possamos ser verdadeiramente felizes e façamos alguém muito feliz.
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Um comentário:
Texto de profunda reflexão...
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