quarta-feira, agosto 25, 2010

Por que escrever poesia?

Existem duas razões básicas: por excesso de felicidade, ou por excesso de desespero; mais provavelmente a segunda razão do que a primeira.
Almas felizes se deixam inebriar pelo enlevo e podem quedar-se estáticas, na contemplação da própria felicidade, gozando cada momento do nirvana, antes que acabe.
Corações infelizes se interrogam continuamente sobre as razões de seu desespero e daí podem nascer as maiores obras da literatura, na prosa e na poesia.
Poetas são seres desesperados que não deveriam ser deixados sós, mas eles mesmos buscam desesperadamente a solidão.

(Shanghai, 26.08.2010)

PS: Não costumo fazer poesia, tampouco prosa literária.

terça-feira, agosto 17, 2010

Drummond, sobre a ausencia

Um poema apropriado às circunstâncias presentes:

A um ausente
Carlor Drummond de Andrade

Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.

Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu,
enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.

[Postado em Shanghai, 17.08.2010]