quinta-feira, julho 30, 2009

20) Reflexão, ou conselho, de Mario Quintana

Apenas transcrevendo, sem qualquer comentário, ou duplo sentido:

"Não te irrites, por mais que te fizerem...
Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio..."

Mario Quintana

quinta-feira, julho 02, 2009

19) Mais um questionario sobre a carreira diplomatica

Incrível: acho que respondo um questionário por mês. Respondo e depois esqueço. Como suponho que talvez interesse a mais estudantes (não tanto pelos aspectos pessoais, e sim pelas informações sobre a carreira), permito-me reproduzir aqui também.

Questionário sobre a carreira diplomática
Paulo Roberto de Almeida

1) Nome:
Paulo Roberto de Almeida

2) Situação familiar:
Casado, 2 filhos (28, homem, e 19 anos, mulher).

3) Contato:
Ministério das Relações Exteriores

4) Fez planejamento de Carreira?
Não.

5) Teve alguma referência profissional?
Jamais; sem qualquer contato preliminar com a carreira diplomática.

6) Área:
Diplomacia, carreira de Estado, serviço exterior brasileiro.

7) Cargo:
Ministro de Segunda Classe

8) Descrição da Função:
Chefia de departamento, ministro conselheiro em embaixadas do Brasil no exterior, chefia de consulado geral, diversos outros cargos na burocracia do ministério ou, eventualmente, em outras agências públicas federais.

9) Foi motivado por alguma causa/visão/missão etc?
Não especialmente: a carreira surgiu como opção a partir de informação sobre concurso público para ingresso na diplomacia, a partir de minha experiência “internacional” previamente adquirida como estudante no exterior.

10) Objetivos atuais de vida:
Continuar na carreira, por mais algum tempo, até a aposentadoria compulsória, servindo ao Brasil, e ao mesmo tempo me dedicando a atividades acadêmicas paralelas.

11) Formação:
Licenciado e doutor em Ciências Sociais, mestre em planejamento econômico, com especialização em economia internacional, todos títulos obtidos em universidades estrangeiras.

12) Competências:
Ciência Política, relações internacionais, história diplomática, temas de desenvolvimento econômico e de economia política internacional.

13) Habilidades:
Ademais das atividades próprias à diplomacia (informação, representação e negociação), competência acadêmica como professor e pesquisador em temas de relações internacionais.

14) Remuneração média de um profissional da área:
Muito variada, tanto dentro da carreira no exercício burocrático em Brasília, como a serviço do Brasil no exterior; em Brasília, há uma escala gradualmente ascendente de remuneração, de terceiro secretário a ministro de primeira classe, que depende ainda do exercício de funções de chefia (cargos de direção e assessoramento superior), complementado por aluguel moderado por utilização de moradia funcional (variável, também, em função da hierarquia); pode ir de R$ 7 mil a 20 mil. No exterior, a remuneração básica (vencimentos) é corrigida por índices de correção variáveis segundo os postos (correção cambial ou por custo de vida), acrescida de algumas gratificações variáveis por posto (na verdade, a única existente é a ajuda para aluguel de moradia, mas se cogita a introdução de auxílio-educação); pode ir de US$ 7 mil a 15 mil.

15) Estágio do desenvolvimento profissional:
O ministro de segunda classe é o penúltimo estágio na carreira, antes do ministro de primeira, usualmente chamado de embaixador (que na verdade é um título por exercício de chefia de posto no exterior).

16) Percurso que seguiu para chegar no cargo:
Concurso de ingresso na carreira (etapa inicial e obrigatória, uma vez que o recrutamento só se faz por concurso público, exclusivamente por mérito), exames intermediários para ascensão funcional (Curso de Aperfeiçoamento, para segundos secretários; Curso de Altos Estudos, para conselheiros, com apresentação de tese e sua defesa em banca). Todo o processo de ascenção funcional é regulado em legislação própria, implicando seleção dos pares e das chefias para ingresso num Quadro de Acesso, seguido de promoção por antiguidade ou merecimento.

17) Se sente realizado profissionalmente?
Certamente: a carreira diplomática oferece inúmeras oportunidades para o enriquecimento profissional e intelectual, oportunidades de vivência no exterior, em diversas situações, e chances aos familiares para experiência de vida no exterior, com grandes benefícios em termos de estudos e aprendizado.

18) O que teria feito de diferente?
Carreira acadêmica, igualmente gratificante no plano intelectual (e da liberdade de pensamento e atuação), mas certamente menos “remuneradora” em termos de atuação na vida profissional, com possibilidades de influência concreta nos destinos do país, mediante participação em negociações internacionais que por vezes são decisivas para a inserção externa do país e a obtenção de ganhos imediatos no plano de vantagens comerciais, tecnológicas e financeiras, advindas da cooperação e interdependência econômica no plano mundial.

19) O que pensa do futuro desse setor e do próprio futuro profissional?
Deve continuar sendo uma das principais agências de afirmação dos interesses nacionais, uma vez que a diplomacia assume papéis crescentes com a aceleração do processo de globalização e do aumento da interdependência internacional em todas as áreas, com destaque para a economia e a administração dos recursos comuns (em meio ambiente, por exemplo). Continuarei servindo ao país como tenho feito nos últimos 30 anos.

20) Descreva um dia habitual de trabalho:
Na Secretaria de Estado (Brasília), processamento de papéis, que tipicamente são telegramas de embaixadas e missões no exterior, com alguma questão de negociação na qual o Brasil encontra-se envolvido; a partir do insumo inicial, o trabalho constitui uma elaboração da demanda no sentido de se dispor de informações adequadas para elaborar alguma instrução negociadora, a partir da memória existente e da consulta a outras agências públicas envolvidas no tratamento daquela matéria (comercial, financeira, de cooperação técnica, segurança etc). No exterior, se assegura a interface entre o Brasil e governos estrangeiros ou organizações internacionais, com os quais se pode negociar diretamente (no plano bilateral) ou conjuntamente (no caso de atuação multilateral); ou seja, além do processamento da informação, há típicas situações negociais, que envolvem o recebimento de instruções precisas da Secretaria de Estado, sem o que o diplomata teria de agir segundo seu conhecimento anterior de assuntos similares e em função de uma percepção própria do interesse nacional.

21) Grau de estresse existente nesta função:
Não superior a outras funções existentes na burocracia governamental, derivado das deficiências, da baixa coordenação funcional e dos entraves burocráticos normalmente existentes no Estado brasileiro; no exterior, o estresse é geralmente derivado das condições de vida existentes em determinados postos ditos de “sacrifício” (ou seja, apresentando carências e insuficiências no plano material, eventualmente acrescido da falta de domínio de certos idiomas).

22) Maiores dificuldades enfrentadas neste trabalho:
Dificuldades em obter informações adequadas ou embasamento técnico suficiente para a formulação (e ulterior execução) de instruções adaptadas a um determinado processo negociador e que expressem adequadamente o interesse nacional, ele mesmo difícil de ser definido, em função de percepções variadas, por vezes conflitantes do que seja esse interesse, em face de elementos contraditórios (sempre presentes).

23) Maiores satisfações alcançadas:
Poder lograr a conquista dos objetivos traçados nas instruções em processos negociadores nos quais se está envolvido, ou seja, conseguir cumprir as metas definidas pela agência pública à qual se serve (neste caso, o Itamaraty e a política exterior do Brasil). No plano pessoal, ser reconhecido como competente pelos pares e pelas chefias e obter promoções e remoções (postos) condizentes com suas aspirações.

24) O que você destaca como um diferencial nesta área?
A preparação intelectual é, de longe, o principal fator de sucesso na carreira diplomática, muito embora o relacionamento humano também seja relevante para o adequado desempenho das funções. A combinação de mérito pessoal e de capacidade a bem se relacionar com colegas nacionais e estrangeiros é essencial para um bom desempenho nas funções diplomáticas.

25) O que ninguém sabe sobre essa carreira?
Existem muitos mitos cercando a carreira diplomática, geralmente ligados à imagem esnobe ou pretensamente sofisticada que teriam os diplomatas. Trata-se de uma carreira burocrática, como muitas outras, mas envolvendo também uma percepção especial do elemento humano (human factor) nas relações impessoais de Estado a Estado.

26) O que você sugere para quem está se inserindo profissionalmente?
Em primeiro lugar, um cuidado com a preparação intelectual, não apenas no ingresso, mas ao longo de toda a carreira diplomática: ou seja, o estudo constante não apenas dos dossiês, mas de todo e qualquer assunto suscetível de constituir um objeto de negociações internacionais (o que, atualmente, envolve quase todos os aspectos da vida nacional). Em segundo lugar, um cuidado especial com as relações humanas e sociais, uma vez que a diplomacia apresenta alto componente de relações inter-pessoais, mais, provavelmente, do que em qualquer outra carreira pública. Em terceiro lugar, alta disposição para a mudança constante – o nomadismo profissional faz parte da carreira – e capacidade de adaptação a ambientes diversos, por vezes difíceis, pessoalmente ou para a família. Em último lugar, mas talvez o mais importante, uma predisposição para o serviço do país, o que envolve uma percepção aguda do que seja o interesse nacional, nem sempre adequadamente refletido em instruções “burocráticas” recebidas no exercício de funções negociadoras (o que introduz o fator pessoal na administração e desempenho de suas funções). Desenvolvi algumas dessas idéias em meu texto “Dez regras modernas de diplomacia” (disponível neste link).

18) O profissional de RI no setor publico

Mais um trabalho de resposta a indagações de alunos, inédito até aqui.

A importância do profissional de relações internacionais no setor público
Paulo Roberto de Almeida (1 de junho de 2008)
Respostas a questionário de pesquisa de estudante em RI da Unisul, Florianópolis, SC

1 – O profissional de relações internacionais tem muitas possibilidades para atuação num mercado cada vez mais diversificado. Quais são as áreas de atuação que esse profissional pode exercer na esfera pública além da diplomacia?
PRA: Na esfera do governo federal são várias outras: analista de comércio exterior do MDIC; analista de informações da ABIN; assessorias de relações internacionais dos ministérios setoriais (sobretudo aqueles que possuam grande interface internacional, para cooperação e integração, o que atualmente cobre praticamente quase todos os ministérios); assessores parlamentares do quadro oficial do Legislativo, eventualmente até no Judiciário ou esferas correlatas. Nos governos estaduais e municipais (capitais dos estados, grandes municípios e municípios de fronteira), nas assessorias internacionais que possam existir ou nas secretarias de governo especializadas em temas de cooperação internacional (educação, saúde, etc.).

2 – Qual é a importância de um profissional de relações internacionais na esfera pública?
PRA: Pode ser relevante, na medida em que a rede de acordos internacionais (na esfera regional ou multilateral) é atualmente muito grande, exigindo, portanto, alguma expertise, conhecimento, experiência e vivência em cooperação internacional, que vai muito além do mero conhecimento de línguas. Todas as áreas de especialização técnica se beneficiam de cooperação bilateral (entre países, ou até entre serviços especializados dos países) ou de projetos de cooperação mais ampla, envolvendo vários países e, na maior parte dos casos, organismos intergovernamentais, ONGs e outras entidades com interface internacional (do setor privado, do acadêmico ou centros de pesquisa).
O profissional de RI deve ter competência para lidar com todas essas esferas de maneira a poder definir os melhores instrumentos a serem aplicados em cada caso. Ao mesmo tempo, ele deve saber resguardar as esferas de competência privativa dos setores encarregados de negociações em áreas relevantes de interesse público (geralmente a cargo do MRE, mas também Fazenda, Bacen, MPOG e outras agências públicas).

3 – O setor público em geral conhece a necessidade de ter um profissional de relações internacionais e, além disso, sabe de sua importância?
PRA: Na esfera diplomática e setores afins (ou seja, aqueles que estão constantemente em contato com organismos internacionais) certamente, embora nem sempre é o caso em ministérios setoriais que até pouco tempo atrás tinha pequena interface externa no trabalho diário. Mas não é necessariamente o setor público que precisa conscientizar-se da necessidade: ele geralmente emprega os profissionais mais habilitados para o desempenho de funções especializadas, o que nem sempre quer dizer, necessariamente, um profissional de RI: se o BC quer negociar acordos financeiros, ele terá necessidade de técnicos em finanças internacionais, que podem ser antes economistas do que profissionais de RI. Da mesma forma, negociações especializadas em tarifas aduaneiras ou em epidemias de alcance transfronteiriço podem requerer o concurso de técnicos habilitados nessas áreas, não obrigatoriamente o profissional RI.

4 – Existem perspectivas positivas de expansão da área de atuação do profissional de RI no setor público?
PRA: Certamente, na medida em que a globalização é um traço incontornável da nossa época, veio para ficar e se expandir cada vez mais. Presumivelmente, essa tendência vai exigir um número cada vez maior de profissionais de RI, mas não apenas ou não exclusivamente, pois a especialização crescente de determinados temas – como em mudanças climáticas, por exemplo – pode exigir técnicos especializados nesses temas.

5 – O senhor acredita que a maioria dos cursos superiores de RI no Brasil formam um profissional cosmopolita, capaz de atuar em qualquer setor?
PRA: Não, não acredito. Os cursos foram criados apressadamente, para atender a uma demanda difusa, percebida como “importante”, a partir de uma percepção do crescimento da interface internacional em quase todas as esferas da vida pública e privada. Os cursos foram surgindo de maneira empírica e não necessariamente atendem às necessidades seja do setor público, seja do mercado. Acredito que os cursos precisam melhorar muito, ainda, para formarem profissionais habilitados e competentes. Esses cursos constituem uma assemblagem de matérias tradicionais – advindas do direito, da ciência política, da história e da economia – sem necessariamente constituir um corpo coerente de disciplinas voltadas para a formação de um profissional completo ou preparado para enfrentar responsabilidades importantes no cenário internacional.

6 – Como é o trabalho de um profissional de RI que atua em órgãos públicos hoje?
PRA: Basicamente análise de informação e processamento de diferentes insumos que podem servir para a tomada de decisão em sua área de atuação. Para os diplomatas, essas tarefas são acrescidas de responsabilidades negociadoras e de representação, quando trabalhando em embaixadas e missões diplomáticas no exterior. O domínio dos dossiês sobre os quais se têm responsabilidade é essencial para o bom desempenho dessas funções pelos profissionais em RI, funções que são necessariamente variadas em sua diversidade temática e contínuas no seu desenvolvimento cronológico.

7 – Por se tratar de um curso novo, muitas pessoas acreditam que relações internacionais é um curso “complementar” de outros cursos, como administração ou comércio exterior. Tratando-se especificamente do mercado de trabalho, é possível dizer que essas afirmações tem fundamentos?
PRA: Sim, elas têm fundamento – ainda que possam ser parcialmente equivocadas – porque, na verdade, o profissional de RI é um “administrador” de temas diversos, todos situados na interface com o externo, mas que não deixam de ser de “administração” de coisas e de pessoas. O comércio exterior é uma interface importante na vida de qualquer país, na medida em que todas as empresas, hoje em dia, estão confrontadas à concorrência externa e necessitam desenvolver estratégias competitivas que maximizem seus ganhos no mundo e permitam sua sobrevivência no mercado interno. Os cursos de RI não são, obviamente, “complementares” a administração ou comércio exterior, mas eles surgem a posteriori, com um panorama já dominado por esses profissionais que estão no mercado há mais tempo, sendo assim natural que seja assimilados aos primeiros.
A diferenciação se dará aos poucos, na medida em que currículos e oportunidades de mercado forem se consolidando no Brasil. Em todo caso, muitos cursos de RI formarão “administradores de comércio exterior”, o que será sempre necessário...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1 de junho de 2008

17) Questionário sobre a diplomacia

Mais um questionário respondido bilateralmente, e que tinha permanecido inédito desde então.

Questionário sobre a diplomacia
Paulo Roberto de Almeida (6 de junho de 2008)
a questões colocadas por estudante da Universidade de Caxias do Sul

Breve currículo para crédito da fonte, contendo formação, cargo, embaixada e tempo que atua na função.
Paulo Roberto de Almeida: Doutor em Ciências Sociais (Universidade de Bruxelas, 1984), mestre em Planejamento Econômico (Universidade de Antuérpia, 1977), diplomata de carreira desde 1977. Trabalhou no Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2003-2007). Professor no mestrado em Direito do Uniceub e professor-orientador no mestrado em diplomacia do Instituto Rio Branco. Ocupou postos nas embaixadas em Berna (1979-1982), Belgrado (1982-1985), Paris (1993-1995) e Washington (1999-2003) e nas delegações do Brasil em Genebra (1987-1990) e em Montevidéu (1990-1992). Último posto diplomático ocupado: ministro-conselheiro na Embaixada em Washington. Na Secretaria de Estado das Relações Exteriores (MRE) foi chefe da Divisão de Política Financeira e de Desenvolvimento (1996-1999). Atualmente (2003), é professor orientador do Mestrado em Diplomacia do Instituto Rio Branco. (ver mais em www.pralmeida.org)

1) O que caracteriza uma embaixada?
Trata-se, simplesmente, de uma representação política de um país junto a outro, mais especificamente de um enviado de um chefe de Estado junto a seu colega, no quadro de relaçoes diplomáticas normais. Trata-se de uma instituição das relaçoes internacionais muito antiga, hoje formalizada por alguns tratados multilaterais e sempre enquadrados numa determinada relação bilateral.

2) Qual a função do Embaixador?
Três funções, basicamente: representar, informar, negociar. São clássicas, mas o embaixador desenvolve um trabalho de relacionamento pessoal com representantes oficiais do Estado em que está acreditado, mas também alcançando a sociedade civil e meios especializados (homens de negócios, de letras, cientistas, acadêmicos etc).

3) Quais os elementos essenciais e/ou mais importantes para o exercício da diplomacia em um país estrangeiro?
Sensibilidade para as peculiaridades do país em que está acreditado, travar um conhecimento não perfeito, mas suficiente desse país para poder informar de maneira adequada, desenvolvimento de relações sem qualquer tipo de preconceito político ou ideológico, disposição para receber, conversar, travar relações mais amigáveis do que o simples contato burocrático, o que pode facilitar tarefas negociadoras.

4) A seu ver, qual a importância da comunicação no exercício da diplomacia?
A diplomacia vive de informação (muita) e de comunicação (regular, constante, permanente), para o seu próprio serviço diplomático, mas também em direção do país em que se está acreditado. A informação, para qualquer dos lados, mas sobretudo para o país em que se está servindo, precisa ser objetiva, clara, sincera, e se pautar por simples regras de cortesia e de formalidade diplomática.

5) No que o fator cultura interfere quando das ações diplomáticas em diferentes países?
Uma regra essencial para todo diplomata é sua capacidade de representar e de dialogar com os nacionais do país em que serve sem jamais ofender sensibilidades ou incorrer em alguma descortesia involuntária, por desconhecimento da cultura local, da história desse país e de suas orientações políticas básicas. A cultura é o elemento subjacente a qualquer povo, independentemente de suas instituições políticas, de seu desempenho econômico ou mesmo das orientações de sua diplomacia. Conhecer a cultura de um povo facilita enormemente o trabalho de representação e de negociação.

6) A embaixada do Brasil utiliza uma comunicação previamente planejada?
Depende muito da Embaixada. Em grandes postos (digamos Washington, Buenos Aires, Londres, Paris e alguns outros), sempre existem assessores de imprensa e um trabalho conduzido especificamente no plano do relacionamento público e da informação dirigida. Pequenos postos não costumam ter esse tipo de assessoria, por insuficiência de meios, mas isso não quer dizer que o embaixador não possa ter uma estratégica própria de comunicação, obviamente adaptada ao contexto cultural e político e às circunstâncias locais.

7) Todas as Embaixadas brasileiras seguem uma mesma orientação quanto a comunicação, ou cada embaixador é livre para planejar a sua?
Há muita variação nesse particular, pois tudo depende da densidade das relações bilaterais e do engajamento do país nessa relação particular. A regra básica é elevar ao máximo a qualidade das relações, o que implica desenvolver um trabalho sempre adaptado às características especificas do posto. Todo Embaixador pode, e deve, tomar iniciativas e desenvolver seu próprio programa de comunicação, mas nem todos dispõem de meios adequados (financeiros, basicamente, mas pessoal, também) para cumprir grandes objetivos.

Paulo Roberto de Almeida
Rio de Janeiro, 6 de junho de 2008

16) Questionario sobre a carreira diplomatica

Questionário sobre a carreira diplomática
Paulo Roberto de Almeida
(para atender a consulta de estudante; já tinha sido preparado em 25.06.2008, mas permaneceu inédito desde então).

1) Quantos anos vc tinha quando decidiu que queria seguir este caminho?
PRA: Eu tinha 27 anos completos, mas eu fiz o concurso tarde, depois de passar quase sete anos na Europa, estudando, durante o período mais duro da ditadura militar no Brasil, de onde tinha saído no final de 1970, com 21 anos recém completados. Eu não sou critério para o típico candidato à carreira diplomática.

2) Quais foram as suas motivações?
PRA: Na verdade, eu não tinha pensado em ser diplomata anteriormente, tanto porque nos anos anteriores estava mais ocupado tentando derrubar o governo brasileiro, como opositor de esquerda à ditadura militar que eu era (daí o exílio auto-assumido). Fiz o exame quase que por surpresa, simplesmente motivado por um anúncio de concurso direto (isto é, não um vestibular para o Curso Preparatório à Carreira Diplomática, tendo de fazer dois anos de estudo no Instituto Rio Branco, como sempre foi o normal desde 1945). Foram concursos diretos excepcionais, feitos durante alguns anos, depois de medidas de expansão do corpo diplomático brasileiro em meados dos anos 1970.
Uma das motivações minhas foi “testar” a minha “ficha policial”, depois de alguns anos trabalhando contra o governo brasileiro, ainda que com outros nomes: todos os candidatos a carreiras públicas tinham de ser “cleared” pelo Serviço Nacional de Informações. Passei, para surpresa minha. Outra surpresa foi simplesmente dar início a uma nova carreira, com novas perspectivas de vida, depois de uma trajetória de vida e profissional basicamente acadêmica (eu era professor universitário antes de ingressar na carreira).

3) Vc trabalhou durante o período em que esteve estudando para o concurso? No quê?
PRA: Sim, eu estava trabalhando o tempo todo, dando aula em duas faculdades em SP, e praticamente não estudei. Eu estava bem preparado para a maior parte dos exames de ingresso, uma vez que sempre fui um “rato de biblioteca”, com milhares de leituras acumuladas.

4) O que sua família achou da sua decisão?
PRA: Não tinha família própria. Meus pais gostaram da decisão, ainda que não soubessem quase nada sobre a carreira diplomática, vindos de um meio social muito modesto.

5) Vc já tinha filhos?

PRA: Não que eu saiba... Não, não tinha filhos, pois não era casado.

6) O que sua esposa achou?
PRA: Só me casei um ano e meio depois de ter ingressado na carreira diplomática.

7) Ela quis lhe acompanhar desde o início? Deu suporte ao seu sonho e período de estudos?
PRA: Minha esposa é uma nômade nata, sempre teve entusiasmo por viagens, mudanças, andanças contínuas e intensas.

8) Ela trabalha em algo que seja possível lhe acompanhar?
PRA: Ela era economista e de certa forma renunciou à sua carreira para acompanhar todas as mudanças que tivemos, tanto de país, como para cuidar dos filhos, etc. Deixou de ser economista e passou a ser historiadora, fazendo pesquisas em todos os lugares para onde fomos, dedicando-se também, e paralelamente, às artes.

9) Onde vc se orientou para estudar?
PRA: Estudei absolutamente sozinho na pequena e breve preparação para a carreira diplomática. Praticamente, apenas li um livro de Direito Internacional, uma de minhas deficiências, e outros de redação em inglês, a outra deficiência. Apenas isto.

10) Quais materiais usou?
PRA: Livros que eu tinha, outros que consegui, comprando ou emprestando.

11) Como era sua rotina de estudos?
PRA: Nenhuma, apenas lia nas horas vagas.

12) O que fazia para tirar o stress?
PRA: Continuava lendo, algumas obras fora do programa, literatura, sociologia do Brasil, história, etc. Ou seja, eu estou sempre lendo, o tempo todo.

13) Como se alimentava? Fazia exercícios físicos?
PRA: Normalmente. Estava na casa dos meus pais, nessa época, ainda que provisoriamente. Eu tinha praticamente acabado de voltar depois de quase sete anos na Europa e não tinha ainda recursos para viver por minha própria conta.

14) Quanto tempo demorou para vc entrar desde que começou os estudos para o concurso? Quais foram suas maiores dificuldades?
PRA: Três meses. Estudei muito pouco, apenas direito e inglês, como referi acima.

15) Qual o tempo médio de estudo (das pessoas em geral) para entrar?
PRA: Não tenho idéia. Creio que depende de cada um e de sua formação e preparação anterior. Eu sempre fui, como disse, um rato de biblioteca e dominava praticamente o conjunto das matérias, naturalmente, sem jamais ter me preparado anteriormente para esse tipo de concurso.

16) Vc tinha amigos ou conhecidos dentro do Itamarati que lhe forneciam informações ou dicas sobre o concurso?
PRA: Não conhecia absolutamente ninguém, não só no Itamaraty como em Brasília.

17) Quanto influencia o fato de se conhecer alguém lá dentro antes de entrar? O lugar para onde vc é mandado em missões muda de acordo com alguma hierarquia de amizade?
PRA: Não, absolutamente negativo. Os exames de ingresso são totalmente impessoais, não identificados. Ninguém sabe quem está fazendo exame de ingresso, pelo menos nos últimos anos. Até certo tempo atrás (dez anos atrás, talvez), havia uma etapa intermediária composta de uma banca examinadora, supostamente para saber se o candidato tinha mesmo condições ou vocação para ser diplomata. Isso não implicava, porém, em qualquer benefício especial, pois todos os demais exames continuavam não identificados (inclusive um candidato supostamente “apoiado” por alguém de dentro poderia ser teoricamente barrado nos testes psico-técnicos que eram obrigatórios). Uma vez entrado na carreira, pode haver algum tipo de “negociação” para a seleção de algum posto, mas isto tende a ser formalizado de maneira impessoal, também.

18) Como funciona a hierarquia dos diplomatas em função do local para onde são enviados para residir?
PRA: Todos os postos possuem um quadro fixo de diplomatas (geralmente um embaixador, um auxiliar direto, que pode ser um ministro ou conselheiro, dependendo do posto, e depois tantos conselheiros ou secretários em função da dimensão do posto), que está determinado em Portaria e não pode ser mudado arbitrariamente. Ou seja, só se vai para um determinado posto segundo regras muito estritas.

19) Como funciona o mestrado? A pessoa pode escolher assuntos de maior interesse para estudar? Qual é o sistema e horário de estudo?
PRA: Não existe mestrado, estrito senso na carreira diplomática. O próprio curso do Instituto Rio Branco foi equiparado, desde 2002, a um mestrado profissionalizante (tipo C, pelos critérios da Capes), ou seja, o Terceiro Secretário já um “mestre”. No curso da carreira existem duas outras etapas de estudo: como segundo secretário, um Curso de Aperfeiçoamento de Diplomatas, que na verdade é composto de palestras e um conjunto de exames para aferir capacidade intelectual; depois, como Conselheiro, se deve fazer uma tese e defendê-la em banca, o que poderia ser equiparado a um “doutoramento” (embora sem os requerimentos de créditos ou orientação de um doutoramento acadêmico). Não existem horas reservadas a isso, e o estudo deve ser retirado do tempo de lazer pessoal e horas livres.

20) O tempo de estudo é considerado como trabalho?
PRA: Não se aplica, mas um diplomata pode pedir uma licença para “concluir” a sua tese.

21) Quando a pessoa está realizando o mestrado ela só estuda (durante qtas horas?) ou trabalha também (durante quantas horas, e, no quê?)
PRA: Não se aplica. Atualmente, os recém ingressados no curso profissionalizante do Rio Branco estudam pela manha e já trabalham nas divisões pela parte da tarde.

22) E nas missões diplomáticas, ele vai acompanhado por outros diplomatas ou vai só?
PRA: Missão diplomática significa remoção para algum posto: o diplomata é removido individualmente, e parte com sua família apenas. Podem existir coincidências de partidas conjuntas ou simultâneas, mas as remoções são sempre individuais. Uma delegação para alguma reunião especial, ou conferência diplomática, configura uma viagem a serviços, de alguns dias apenas, e podem ocorrer partidas de dois ou mais diplomatas para a mesma reunião (ONU, OMC, etc.).

23) E quanto a moradia? Escola dos filhos? Cursos? Há alguma orientação ou algum tipo de descontos ou posições preferenciais?
PRA: Tudo é administrado pelo próprio diplomática, que tem de encontrar soluções de mercado. Em alguns postos, a embaixada pode dispor de residências próprias. Existe também um auxílio para pagar aluguel, variável segundo os postos, mas nada está previsto para a educação, que fica totalmente no âmbito pessoal.

24) Vc só vai para paises onde saiba o idioma?
PRA: Não, não existe nenhuma relação. Este não é o critério para remoção. O diplomata tem de saber inglês e algumas outras línguas preferencialmente, mas os postos são os mais variados possíveis.

25) Como vc faz para equilibrar o tempo entre trabalho/obrigações extras/amigos família?
PRA: Questão puramente pessoal, cada um se organiza como deseja ou pode. A carreira não é diferente da carreira militar, ou pode ser vista similar a de executivos de empresas internacionais. Existem horas de trabalho, algumas obrigações sociais (recepções, etc.) e o resto depende de cada um. Eu viajo ou leio...

26) Quando vc está morando fora do Brasil, tem passagens gratuitas e algum tempo disponível para vir ao Brasil?
PRA: Não, cada um usa as férias como desejar. Se alguém é chamado a serviço, recebe passagens e diárias, mas isso é determinado por necessidade de serviço, não segundo as preferências ou desejos de cada um.

Respostas preparadas em 25.06.2008